terça-feira, 22 de março de 2011

"Para ouvir uma canção: ' O sexo na MPB - A evolução do comportamento afetivo e sexual do brasileiro através dos tempos' "

Exponho o primeiro dos comentários que farei em relação ao ciclo de conferências "Para ouvir uma canção" que começou hoje no Rio de Janeiro, na Caixa Cultural. A simpatia da fala de hoje trouxe algumas provocações que gostaria de compartilhar com vocês. O tema - "O sexo na MPB - A evolução do comportamento afetivo e sexual do brasileiro através dos tempos" - esteve na responsabilidade de Rodrigo Faour. Ao levantar alguns aspectos comportamentais através da MPB, lugares de produção de sentido questináveis evidenciavam-se. As colocações foram baseadas no livro de autoria do conferencista - "História Sexual da MPB" - e interessadas nos seguintes pontos:

1) A tristeza na MPB como sendo algo que se dá até os anos 60.
2) O machismo ancestral na MPB.
3) Década de 70 como sua grande década transformadora: boom de sexualidade e homossexualidade. As cantoras ficam mais sensuais e as canções mais transgressoras.
4) Negra e mulata sempre tendo sido mais erotizadas.
5) Erotismo mais rasgado desde Domingos Caldas Barbosa. Aproximação do maxixe com o funk carioca.

Na medida em que pontuava sua abordagem da MPB, o pesquisador musical e jornalista, como é referendado, afirmava questões como:

a) "Música é catarse".
b) "A música é apenas um reflexo e veículo da sociedade".
c) "Odair José e Wando nunca foram machistas".
d) Ao ser questionado sobre o por quê de poucas letras falarem de homem, respondera da seguinte maneira: "Na MPB existem poucas compositoras heterossexuais - eu citaria umas quatro".
e) "Música é diversão e, muitas vezes,intelectualizar a nova loira do Tchan, não dá".
f) "Música, dos anos 80 em diante, é um detalhe... O que vale é o conceito e não só a música em si".
g) Ao exemplificar os altos e baixos da MPB, artistas que aparecem na mídia e depois somem: " O Brasil é um país que não preserva a memória".
f) Ao ser questionado sobre o fato de pouco abordar a música feita em Minas Gerais: "Isso é uma outra coisa... Que fala da natureza, de política..."

Diante dessas colocações sugiro que elas sirvam de dispositovos para nossas formulações críticas. Se me permitem, arriscaria algumas...

* Não questionando a legitimidade dos pontos levantados na presente conferência penso em que medida seria possível considerarmos determinados aspectos da MPB como sendo ou isso ou aquilo? Como exemplo:
- O fato de Chico Buarque compor "Bárbara" poder ser visto como uma perspectiva mais digna para a homossexualidade a partir dos anos 70;
- O fato de haver poucas composições que tratam do homem como objeto de desejo se dever à existência de uma minoria de compositoras heterossexuais...
A MPB não deveria ser vista para além de questões identitárias de gênero e afins? Ou Chico Buarque precisou se transformar em uma mulher lésbica para compor "Bárbara"?

* Música é catarse?

* A música é apenas reflexo e veículo da sociedade?

* Música é diversão e, muitas vezes, intelectualizar "a nova loira do Tchan", não dá mesmo?

* Que outra coisa seria de fato a música feita em Minas Gerais, sobretudo, a partir dos anos 70, que não só paisagem e militância?

* Como artticular indústria cultural, música como conceito e mercado com o fato de o Brasil não ser um país que preserva a memória, no caso, da MPB?

Não sei se espero respostas exatas. Mais do que isso, que a gente possa criar pontos de contato com o cena atual de pesquisa em música e assumir posições...

Até a próxima conferência, "A canção polifônica" (Santuza Cambraia Naves).

6 comentários:

  1. Olá Fabrícia,

    estou na organização do evento e quero dizer que gostei muitíssimo de sua avaliação da primeira conferência.
    parabéns.

    sou doutorando e pesquisador de canção. colocarei este blog entre meus favoritos.

    convido-os a conhecer o meu projeto 365 canções:
    http://www.365cancoes.blogspot.com/
    e o desdobramento dele:
    http://lendocancao.blogspot.com/

    Abraço
    Leonardo Davino

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  2. Valeu Fabrícia! Excelente resenha! Aguardo ansiosamente a próxima.

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  3. Oi Leonardo!Nós estamos sempre nos esbarrando, né? Tivemos juntos em um evento na UERJ ou UFRJ onde você falava de Arnaldo Antunes e eu de Caetano quando eu estava na graduação ainda... Continua ainda nesse tema? Estou no mestrado estudando a canção feita em Minas Gerais com Milton Nascimento... Outrora podiamos marcar um café, que tal? Beijos, bem vindo e continue contribuindo com nosso blog...Vou olhar os que você sugeriu e seguir.

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  4. Olá Pedro!Resolvi fazer esses comentários como forma de agradecimento e troca devido ao fato de ter conseguido vir ao ciclo de conferências... Que bom que essa primeira pode contribuir conosco... Até a próxima!

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  5. Fabrícia, excelente contribuição. Pode considerar-se "correspondente" da nossa Oficina no Ciclo.
    É claro que as questões que você postou, para serem discutidas, demandariam um longo "testamento". Mas podemos tratar de algumas delas, oralmente, durante os encontros.
    Quero pontuar apenas duas coisas:
    - A canção, por suas especificidades de circulação, requer uma presença maior, se não do compositor, pelo menos do intérprete - isso relativiza um pouco a noção (que para a literatura é mais tranquila) de "eu-lírico", que nunca se confunde com o autor, pessoa física, etc etc.
    A figura que se apresenta junto com a música, pelo menos, a voz que se expõe, é muito mais facilmente confundida com o enunciador ficcional. Há um "corpo presente", que muitas vezes não é visto/ouvido como o de um ator, apenas "incorporando" um personagem.
    Isso se torna necessário mesmo para a criação dos "mitos", dos "reis", etc.
    Um exemplo engraçado é você ver o Chico Buarque colocando uma cantora, Jane, para gravar "Com açúcar, com afeto", justificando que não gravou a canção, ele mesmo em seu disco, por "motivos óbvios" ( http://www.chicobuarque.com.br/discos/mestre.asp?pg=chico_67.htm ). Não é curioso? Ele compôs, mas preferiu não interpretar, o que só foi fazer depois da explosão tropicalista, no disco ao vivo com a Bethânia.

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  6. Não só é curioso ver a atitude do Chico, como isso situa sua dimensão não ficcional em um lugar que ao mesmo tempo que é conservador ilumina essa confusão entre enunciador ficcional e e não ficcional. Não há como negar que a "explosão tropicalista" foi um marco importantíssimo para a cultura brasileira e que muitos aspectos comportamentais só foram possíveis com ela, inclusive o fato de Chico cantar a partir dela a canção antes omitida. Por um outro lado, há uma tendência machista apresentada pela letra de "Com açúcar, com afeto" que coloca a mulher no lugar de conformação e, nesse sentido talvez tenha sido interessante Chico não deixar-se confundir com esse enunciador da canção mas sua voz como algo que transporta a vida pro palco... Curioso e gostoso é esse vídeo. A melodia delicada e a harmonia bossanovística tensionam e enfatizam o lugar feminino as canções que são entodas sem nenhum pudor por Chico e Caetano - http://www.youtube.com/watch?v=TB6Cpy-X7A8

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