quinta-feira, 31 de março de 2011

"Para ouvir uma canção: 'O Rio de Janeiro em letra e música'"

A última conferência que pude acompanhar foi a de Marcelo Moutinho que chegou se apresentando da seguinte maneira: “ao lado de outros pesquisadores de canção sou um intruso pelo fato de meu interesse ser literatura, sobretudo, a partir de Ítalo Calvino em ‘As cidades invisíveis’ e ‘Seis propostas para o próximo milênio’ buscando promover uma relação entre arte e a cidade do Rio de Janeiro que até os anos 70 demonstrara uma marca de apagamento local: ‘uma cidade com varias cidades dentro’”, segundo Marcos Rebelo.
No momento seguinte Moutinho afirmara que a letra da canção é a literatura brasileira que realmente aconteceu. E encaminhou sua abordagem sobre que Rio de Janeiro seria esse que se descortinara dessas canções desde o século passado mesmo antes de serem cantadas. Entre outras temáticas aponta que a canção passa a falar da favela, da violência urbana em uma mistura fascinante e de estranhamento ao mesmo tempo. Dois olhares são possíveis para essas canções até os anos 80 – o idílico e o das mazelas. A partir dos anos 80 há saudosismo que se liga à brutalização da cidade.
Para Moutinho, do samba ao funk carioca a canção possibilitou a leitura da cidade em suas constantes transformações e, nada melhor do que uma listagem dessas canções, para que possamos pilotar nossa percepção desses espaços possibilitados por elas.
 - Trilha sonora da cidade proposta por Moutinho:
- Olhar idílico:
- “Cidade Maravilhosa”(André Filho - 1935)
- “Fala meu louro”(Sinhô - 1920)
- “A voz do morro”(Zé Kétti - 1950)
- “Favela” (Roberto Martins e Valdemar Silva – 1936)
- “Ave Maria no morro” (Herivelto Martins – 1942)
- “Barracão de zinco”(Luis Antonio e Oldemar Magalhães -1953)
- “Praça Onze” (Herivelto Martins e Grande Otelo – 1941)
- “A Lapa” (Herivelto Martins e Benedito Lacerda – 1949)
- “História da Lapa” ( Wilson Batista -1957)
- “Copacabana” (Braguinha e Alberto Ribeiro – 1947)
- “Sábado em Copacabana” (Dorival Caymmi e Carlos Guinle)
- “Lua e Estrela” (Vinícius Cantuária)
- “Hotel Marina” (Antônio Cícero e Marina)
- “Meu lugar” ( Arlindo Cruz e Mauro Diniz)
- “Jacarepaguá” (Romeu Gentil, Marino Pinto e Paquito)
- “Eu quero é rosetar” (Haroldo Lobo)
- “Marcha do Caracol” (Peter Pan e Afonso Texeira)
- “Cordão dos puxa-sacos” (Roberto Martins e Frazão – 1946)
- “Vagalume” (Vitor Simon e Fernando Martins – 1954)
- “Cidade lagoa” ( Cícero Nunes e Sebastião Fonseca – 1959)
- “Cidade Mulher” (Noel Rosa)
- “Valsa de uma cidade” ( Antonio Maria e Ismael Neto)
- “Do Leme ao Pontal” ( Tim Maia)
- “Carioca” (Chico Buarque)
- “Samba do Avião” (Tom Jobim)
- “Garota de Ipanema” (Tom e Vinícius)
- “Samba de Verão” (Marcus e Paulo Sérgio Valle)

- O olhar da brutalização a partir dos anos 80:
-  “Estação derradeira” (Chico Buarque)
- “Rio 40 graus,purgatório da beleza e do caos” (Fausto Fawcet e Fernanda Abreu)
- “Saudades da Guanabara” (Moacir Luz, Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc)
- “O dia em que o morro descer e não for ao carnaval” (Paulo César Pinheiro e Wilson das Neves)
- “Nomes de favela” (Paulo César Pinheiro – 2004)
- “Aquele abraço” (Gilberto Gil)
- “Rock n roll em Copacabana” (Miguel Gustavo)
- “Volta ao mundo” (Blitz)
- “Revanche” (Lobão)
- “Alagados” (Herbert Vianna)
- “Brixton, Bronx ou baixada” (Marcelo Yuca, Nelson Meirelles, Xandão / Marcelo Falcão / Marcelo Lobato)
- “175 nada de especial” (Gabriel o Pensador)
- “Traficando informação” (MVBill)
- “Melô do taca tomate” apropriação de “You talk to much”
- “Endereço dos bailes” (MCs Junior e Leonardo)
- “Nosso sonho” (Claudinho e Bochecha)
- “Eu só quero é ser feliz” (Julinho Rasta e Kátia)
- “Rap das armas” (MCs Junior e Leonardo)
- “Só dói quando eu Rio” ( Aldir Blanc e Moacir Luz)

Perguntas feitas pela platéia:
- Falta de canções “Rio antigo de Chico Anísio”; “Pavuna”;
- Você tem visto referencias nas canções sobre esse novo momento que o Rio está passando?
Ainda não vi isso presente mas ainda está muito recente.
- Os subgêneros do samba: bossa nova é um e pagode é uma corruptela.
- Como vê a distinção entre literatura e música?Letra de música é a literatura que deu certo e vejo isso em relação a veiculação. Uma colabora com a outra... A música se dispersa muito mais...Claro que não é literatura nos moldes clássico.
É isso aí... Minha estada nas conferências chegou ao fim... Até as próximas edições do evento... E parto com uma provocação... Literatura nos moldes clássicos não seria aquela com L maiúsculo?

2 comentários:

  1. Essa divisão me pareceu corresponder muito à lógica da "cidade partida". Será que o é de fato? Ou é estilhaçada? Ou é fundida?

    A mesma reflexão que fizemos sobre a (in)felicidade, através de Nick Hornby (que veio primeiro, a música ou a infelicidade? Eu escutava música porque era infeliz? Ou eu era infeliz porque escutava música?), podemos fazer sobre a cidade. Esse Rio do olhar idílico existiu mesmo, ou as canções, como cartões postais, ajudam a produzir a memória de uma cidade maravilhosa, mas mítica?

    Claro que Moutinho deve ter dito isso. Leitor de calvino, sabe que nunca se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve.

    Sugiro a todos uma viagem a Maurília:

    "Em Maurília, o viajante é convidado a visitar a cidade e ao mesmo tempo a observar certos velhos postais ilustrados que a representam como era dantes: a mesma idêntica praça com uma galinha no lugar da estação dos autocarros, o coreto da música no lugar do viaduto, duas meninas de sombrinha branca no lugar da fábrica de explosivos. Para não desiludir os habitantes o viajante tem de gabar a cidade nos postais e preferi-la à presente, com o cuidado porém de conter o seu desgosto pelas mudanças dentro de regras bem precisas: reconhecendo que a magnificiência e prosperidade de Maurília transformada em metrópole, se comparadas com a velha Maurília provinciana, não compensam uma certa graça perdida, a qual contudo só poderá ser gozada agora nos velhos postais, enquanto outrora, com a Maurília provinciana debaixo de olhos, de gracioso não se via mesmo nada, e igualmente não se veria hoje se Maurília houvesse permanecido tal e qual, e que no entanto a metrópole tem mais esta atracção, que através do que se tornou se pode repensar com nostalgia no que era.
    E nem pensem em dizer-lhes que por vezes se sucedem cidades diferentes sobre o mesmo chão e sob o mesmo nome, nascem e morrem sem se terem conhecido, incomunicáveis entre si. Às vezes até os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os delineamentos dos rostos; mas os deuses que habitam debaixo dos nomes e sobre os locais partiram sem dizer nada a ninguém e no seu lugar aninharam-se deuses estranhos. É inútil interrogarmo-nos se estes são melhores ou piores que os antigos, dado que não existe entre eles nenhuma relação, tal como os velhos postais não representam Maurília como era, mas sim outra cidade que por acaso se chamava Maurília como esta."
    Achei essa tradução num blog . O livro inteiro, aqui .

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  2. Alex, Moutinho não disse da construção do olhar idílico da cidade pelas canções... Apenas expôs as canções entre o idílico e o brutal...E afirmou coisas complicadas como no início da fala dele ao se dzer intruso interessado em literatura estudando canção... E o que seria a canção, se é que ela tem que ser algo...(risos)

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