segunda-feira, 4 de abril de 2011

"Muito romântico" por Caetano Veloso

Caros colegas,
Estive procurando um pouco de informações sobre a música “Muito romântico” que ouvimos na última aula e achei um comentário bem interessante, referente à versão cantada por Caetano Veloso.  Deem uma olhada e esclareçam minhas dúvidas, por favor. (rs)


A Composição Passional de Caetano Veloso na Canção Muito Romântico
Acreditando ser a abordagem mais apropriada para o assunto proposto, considerando ainda ser o nome da disciplina Prosódia e não Análise, será enfatizada a poesia sobre a música; as direções musicais aqui abordadas serão estritamente melódicas e em função da poesia. Para tanto, alguns conceitos são representativos, mesmo se não citados durante o desenvolvimento da análise. Entre eles figuram os dêiticos,  que indicam a situação enunciativa em que se encontra o compositor ou intérprete da canção, e os tonemas; inflexões melódicas que podem ser ascendentes, descendentes ou estáticas, em suspensão.

Poesia
Muito Romântico (Caetano Veloso)
Gravada em 1978 no disco Muito
Não tenho nada com isso, nem vem falar              A
Eu não consigo entender sua lógica
Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica                       
Mas acontece que eu não posso me deixar           B
Levar por um papo que já não deu, não deu
Acho que nada restou para guardar ou lembrar
Do muito ou pouco que houve entre você e eu      
Nenhuma força virá me fazer calar                      A
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa eu não douro pílula                     
Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior   B
Com todo mundo podendo brilhar num cântico
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico 
               
Analisando Verso por Verso
Nesse tópico será analisada a poesia, verso por verso, sempre acompanhada do desenvolvimento melódico como reforço de intenção do compositor. A melodia, criada em forma de sentença, é composta por três notas descendentes com duração de tercinas de colcheia, durante quase toda a canção. Além disso o intérprete usa o legatto como recurso de expressão. Somadas, essas características remetem a conclusão de que a poesia é sustentada por uma continuidade melódica.
Não tenho nada com isso nem vem falar – Eu não consigo entender sua lógica, usando advérbios de negação (não, nem) no começo dos versos,  o compositor deixa transparecer incompreensão, ou ainda uma atitude inconformada, de revolta.

Minha palavra cantada pode espantar – e ao seus ouvidos parecer exótica. Aqui o compositor assume sua revolta introduzida no verso anterior, demonstrando ciência de sua brutalidade e alteração, como dizendo “eu sei que posso te assustar, e isso vai soar estranho”. A melodia é ainda idêntica ao verso anterior.

Mas acontece que eu não posso me deixar – Levar por um papo que já não deu, não deu. O autor afirma que não pode se abalar por uma conversa muito mal assimilada, de difícil aceitação, cujo conteúdo não é revelado. A melodia ressalta as palavras não deu, não deu, prolongando-as e atingindo o ápice do âmbito melódico, via tonemas ascendentes, propondo a prorrogação da tensão emotiva. Exemplo de comunhão perfeita entre texto e melodia.

Acho que nada restou para guardar ou lembrar – Do muito ou pouco que houve entre você e eu. Com esse verso a relação que unia o protagonista ao destinatário da canção (provavelmente uma mulher, com certeza uma pessoa que foi muito querida, em algum tempo) é praticamente anulada e desmerecida. Na gravação de Caetano (no disco Muito) os pronomes você e eu são repetidos uma vez, sublinhando o que antes fora uma relação amorosa. Esse verso também finaliza o primeiro chorus da música.
Nenhuma força virá me fazer calar – Faço no tempo soar minha sílaba Novamente ao iniciar um chorus é reforçada a idéia de revolta acrescida da necessidade de expressão, talvez como catarse. O segundo verso transmite uma idéia de poesia, remetendo a uma alma poética, sensível, musical.

Canto somente o que pede para se cantar Quem pede aqui é possivelmente o coração de seu compositor, seu eu-lírico, sua alma de poeta. Converge com o verso anterior no sentido da necessidade de expressão e da busca pela verdade, como um cientista solucionando desafios e buscando assim aquietar a alma.

Sou o que soa eu não douro pílula Reforça a idéia de imposição, vigor e sinceridade do orador, que não tem meias palavras, é conciso e sem rodeios, doa a quem doer.

Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior – Com todo mundo podendo brilhar, num cântico Aqui um dos versos chave para a interpretação do protagonista; a idealização de comunhão, sem dor, só a felicidade. Mas para isso é necessário externar todo o sentimento, desabafar e livrar-se desse estado de ânimo. É a prova de que a melancolia não é um objetivo, uma certeza, mas uma transição e que o fato de ainda não ter transcendido atordoa, aflige.

Canto somente o que não pode mais se calar Esse verso escancara a tendência ao desabafo, o extravasar de um sentimento que precisa ser compartilhado em busca de conforto e compaixão.

Noutras palavras sou muito romântico  O último verso da música explica o estado de espírito do protagonista, justifica suas colocações evidenciando sua passionalidade, sua herança latina, que tende ao sofrimento e a exacerbação dos assuntos passionais.

Entendendo as Tensões Passionais
As nuances entre continuidade e segmentação da melodia são consideradas tensões cruciais na descrição da gestualidade oral contida em uma canção.  Nessa canção, ao investir na continuidade melódica, (como visto no tópico anterior) no prolongamento das vogais, o autor está fundindo todo o percurso da canção com o ser e com os estados da paixão. Esse comportamento melódico será classificado como passionalização.
  
Conclusão: Canção de Amor?
O autor não pronuncia em nenhum momento a palavra amor, nem nome de mulher e não diz explicitamente que está sofrendo.  Apesar disso, a canção é passional; aproveita a linearidade linguística para reconstruir a experiência presenciada, relatada nessa canção de forma direta (aqui e agora, não num tempo passado). A intensidade emotiva é dosada com inclinações da linha melódica. O ouvinte capta a experiência vivida e se espelha nos acontecimentos, via melodia, sem a necessidade de clichês e lugares-comum. Assim se instaura uma espécie de acordo tácito entre a fonte (compositor) e o receptor (ouvinte). 
         
Caetano raramente demonstra em sua poesia a tensão passional; apenas deixa transparecer um núcleo tensivo por trás dos ícones, que são sugestivos e imprevisíveis. Na análise passo-a-passo da letra esse núcleo tensivo fica evidente desde o primeiro verso, com negativas e incisão.
É essa determinação tensiva da melodia, fundamentada na repetição das tercinas descendentes, somada a vestígios narrativos disseminados ao longo do texto (você e eu, no final do primeiro chorus, por exemplo) que garante que as mensagens passionais estão sendo transmitidas.


 Meu comentário sobre o texto é o seguinte: Eu achei a interpretação muito bem feita, mas ela me parece muito mais preocupada no poema da música do que necessária nas características musicais dela. Gostei muito sobre o dito referente a catarse que o eu-lírico passa em um dos versos do poema e a referência sobre as tensões passionais da temática poética. Tive algumas dúvidas quanto a alguns termos que acredito serem técnicos da música. Se puderem me ajudar, gostaria de saber o que são tonemas,  legatto  e tercinas de colcheia.
Além dessas dúvidas a nível vocabular me veio uma  outra questão: Qual a melhor forma de trabalhar a música na literatura sem acabar levando em conta demais  o lado poético da canção (como pareceu-me a análise acima) ?



7 comentários:

  1. Acho que esta música fala é da ditadura. O estranho é que na Internet e na gravação a música acaba ai ("...Noutras palavras sou muito romântico ."). Mas eu já vi a letra completa e a idéia fica ainda mais clara. É como se ela tivesse sofrido uma censura e foi cortado um pedaço.

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    1. É o que me parece também. Há duplo sentido em tudo. Tanto pode ser uma desilusão amorosa, quanto ideológica.

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  2. Caetano fez para o Roberto Carlos. A canção retrata o que o colega da jovem guarda é.

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  3. Analisando em 2022, em plena restauração global da pandemia, guerra Russia x Ucrãncia; especulação de dominio de grupos e agendas mundiais...
    Essa canção foi feita em período parecido- disputa de grupos socialistas x grupos captalistas. Naquela época - a infiltração socialista na américa do sul pela musica, cinema, na mídia e na política, refletem até hj, ou seja, a destruição do ocidente corrompido pela manipulação de falsa liberdades.( Daí o termo sexo, drogas e rock & rool introduzido na cabeça juvenil como manipulação de liberdade( frank zappa, artusta contemporaneo de caetano dizia: "EU NAO DOURO PíLULAS POR QUE É PARA DOMÍNIO DAS MASSAS.
    No entanto, a mensagem dessa poesia, na minha opinião,é um paradóxo, pois rechaça a ideologia que o autor a defendia. É como um " basta! Nao me envolva em política. "Tudo q eu qro é um acorde perfeito maior com todo mundo podendo brilhar num cântico."
    É o q penso.
    Eu só qro cantar e ser feliz

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  4. Foi uma música feita para o Roberto Carlos. Caetano mais uma vez, igual a Força Estranha, presenteia o amigo Roberto e sua forma simples, que atinge todas os extratos da sociedade com sua música.
    Leiam os livros do Paulo César Araújo sobre RC que em lá afirma na isso.

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