Blog coletivo, produzido no âmbito da Oficina "Poesia Brasileira e Canção – estratégias de leitura em sala de aula", oferecida como disciplina na Faculdade de Letras da UFJF, no primeiro semestre de 2011. Destina-se a postagem de textos para uso didático, comentários e ideias. Seus autores são o professor e todos os alunos (matriculados e ouvintes) da disciplina.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
A periferia entra em cena
- Os fragmentos acima foram retirados de entrevistas concedidas por Chico Buarque. Disponíveis em <http://www.chicobuarque.com.br/texto/menuentrevistas.htm>, acesso em 27/04/2011. Disponíveis ainda em "Cinema-Canção", ensaio de Francisco Bosco, publicado em NESTROVSKI, Arthur. (Org). Lendo Música - 10 ensaios sobre 10 canções. São Paulo: Publifolha, 2007.
- Fragmento retirado de Bravo, junho de 2005, p.74.
- Fragmento retirado de Bravo, junho de 2005, p.76.
- Fragmento retirado de Bravo, junho de 2005, p.77.
- Fragmentos retirados de: FERRÉZ. (Org.). Literatura marginal: talentos da escrita periférica. Rio de janeiro: Agir, 2005.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
Cartola, no moinho do mundo
Eu fiz o ninho. Te ensinei o bom caminho. Mas quando a mulher não tem brio, é malhar em ferro frio.
Com a mesma roupagem que saiu daqui exibiu-se para a Duquesa de Kent no Itamaraty.
Pode-se dizer que esta foi também a caminhada de Cartola. Nascido no Catete, sua grande experiência humana se desenvolveu no Morro da Mangueira, mas hoje ele é aceito como valor cultural brasileiro, representativo do que há de melhor e mais autêntico na música popular. Ao gravar o seu samba Quem Me Vê Sorrir (com Carlos Cachaça), o maestro Leopold Stockowski não lhe fez nenhum favor: reconheceu, apenas, o que há de inventividade musical nas camadas mais humildes de nossa população. Coisa que contagiou a ilustre Duquesa.
* * *Pessoal, acima, a crônica do Drummond sobre o Cartola que ficamos de postar aqui no blog. Abaixo, a canção "O mundo é um moinho", que o Drummond cita na crônica, mas que, infelizmente, não ouvimos hoje. Para mim, a mais bonita dentre as cinco do Cartola que incluimos na nossa apresentação. Abraços a todos!
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
quarta-feira, 13 de abril de 2011
Para quem não souber quem foi Mercedes Sosa e José Hernández
Aqui deixo esclarecido quem foram as pessoas das quais eu falei nas minhas outras postagens:
José Hernández (1834 - 1886) foi um poeta, político e jornalista argentino, conhecido, principalmente, pelo livro Martín Fierro, considerado "o livro pátrio" da Argentina.
Mercedes Sosa (1935 — 2009) foi uma cantora argentina de grande apelo popular na América Latina. Com raízes na música folclórica argentina, ela se tornou uma das expoentes do movimento conhecido como Nueva Canción. Apelidada de La Negra pelos fãs devido à ascendência ameríndia (no exterior acreditava-se erroneamente que era devido a seus longos cabelos negros), ficou conhecida como a voz dos "sem voz".
Na minha postagem anterior ficou repetido "que cultura" duas vezes. Desconsiderar. Obrigado.
Minhas propostas para apresentar em sala de aula.
Estou com vontade de escutar varias coisas. Podem escolher, que eu levo para a aula quando for o momento. A minha praia é os estudos comparativos:
1) No momento da "dor-de-cotovelo" e "a herança beletrista" estava pensando em escutar com vocês dois tangos: Uno, de Mariano Mores, cantado por Roberto Goyeneche e Naranjo en Flor, de Homero Expósito, cantado também por Roberto Goyeneche, e duas músicas "dor-de-cotovelo" de Maysa: Ouça e Meu mundo caiu, tratando do discurso amoroso da mulher e do discurso amoroso do homem e como o português e o espanhol tratam do amor desde o ponto de vista da lingua e da bagagem cultural que cultural que acarreta cada uma.
2) Quero escutar cantores em espanhol que cantam músicas em português e cantores em português que cantam músicas no espanhol:
Proponho escutar Mercedes Sosa, cantando um poema de Nicolás Guillén, cubano, em homenagem a Cândido Portinari,Un son para Portinari, musicalizado por Horácio Salinas, chileno, do grupo Inti Illimani. Ou ainda, gostaria de ver o video do Inti Illimani, para vocês verem os instrumentos, uso da sanfona, etc.
Por outra parte, gostaria de escutar com vocês Volver a los 17, de Violeta Parra, chilena, cantado por Mercedes Sosa, com Milton Nascimento, Chico Buarque, Gal Costa e Caetano Veloso. O vídeo está traduzido para o português.
Sei que não há tempo, mas gostaria de fazer escutar trechos ou os começos de outras músicas para ver nossos ritmos, um vallenato colombiano, um huayno boliviano-argentino, uma cueca chilena, uma zamba argentina, uma chacarera argentina, um carnavalito argentino, etc.
Não quero teorizar sobre a música, aproveitemos a sexta-feira e ouçamos música para curtir, para amar, para relaxar, para viver. Gastamos muito tempo falando em sala de aula, que nossa oficina seja para escutar e aprender música, para amar a música, para sentir ela com o coração. Façamos uma disciplina para a vida! Quero compartilhar estas coisas que sinto com vocês. Obrigado.
Morte e Vida Severina e Martín Fierro em contraste.
Aqui Severino se apresenta e também Martín se apresenta. Os dois começam o texto desde jeito para contar sua história. As problemáticas parece que se repetem.
O espanhol em está escrito o Martín Fierro é um espanhol rural do século XVIII e XIX, que ficaria extenso traduzir aqui. Prefiro, se houver tempo, fazer uma leitura compartilhada com vocês e ir traduzindo na seqüência, no decorrer da leitura oral, porque o canto Martín Fierro, embora esteja escrito, é tão oral como o canto do Severino e o canto nordestino.
A analise é recortada e énfatica nestes textos, mas também vejo elos e assuntos repetidos com Elomar e Patativa do Assaré, já escutados em sala de aula.
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR
QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
I
1
Aquí me pongo a cantar
al compás de la vigüela,
que el hombre que lo desvela
una pena estrordinaria,
como la ave solitaria
con el cantar se consuela.
2
Pido a los santos del cielo
que ayuden mi pensamiento.
Les pido, en este momento
que voy a cantar mi historia,
me refresquen la memoria
y aclaren mi entendimiento.
3
Vengan santos milagrosos,
vengan todos en mi ayuda,
que la lengua se me añuda
y se me turba la vista.
Pido a mi Dios que me asista
en una ocasión tan ruda.
4
Yo he visto muchos cantores,
con famas bien otenidas
y que después de alquiridas
no las quieren sustentar.
Parece que sin largar
se cansaron en partidas.
5
Mas ande otro criollo pasa
Martín Fierro ha de pasar.
Nada lo hace recular
ni los fantasmas lo espantan
y dende que todos cantan
yo también quiero cantar.
6
Cantando me he de morir,
cantando me han de enterrar,
y cantando he de llegar
al pie del Eterno Padre.
Dende el vientre de mi madre
vine a este mundo a cantar.
7
Que no se trabe mi lengua
ni me falte la palabra;
el cantar mi gloria labra
y, poniéndome a cantar,
cantando me han de encontrar
aunque la tierra se abra.
8
Me siento en el plan de un bajo
a cantar un argumento;
como si soplara el viento
hago tiritar los pastos.
Con oros, copas y bastos
juega allí mi pensamiento.
9
Yo no soy cantor letrao,
mas si me pongo a cantar
no tengo cuándo acabar
y me envejezco cantando.
Las coplas me van brotando,
como agua de manantial.
10
Con la guitarra en la mano
ni las moscas se me arriman.
Naides me pone el pie encima
y, cuando el pecho se entona,
hago gemir a la prima
y llorar a la bordona.
11
Yo soy toro en mi rodeo
y torazo en rodeo ajeno.
Siempre me tuve por güeno
y, si me quieren probar,
salgan otros a cantar
y veremos quien es menos.
12
No me hago al lao de la güeya
aunque vengan degollando;
con los blandos yo soy blando
y soy duro con los duros.
Y ninguno en un apuro
me ha visto andar tutubiando.
13
En el peligro ¡qué Cristos!
el corazón se me enancha,
pues toda la tierra es cancha,
y de esto naides se asombre:
el que se tiene por hombre
ande quiera hace pata ancha.
14
Soy gaucho, y entiendaló
como mi lengua lo esplica:
para mí la tierra es chica
y pudiera ser mayor;
ni la víbora me pica
ni quema mi frente el sol.
15
Nací como nace el peje
en el fondo de la mar;
naides me puede quitar
aquéllo que Dios me dio:
lo que al mundo truje yo
del mundo lo he de llevar.
16
Mi gloria es vivir tan libre
como el pájaro del cielo;
no hago nido en este suelo
ande hay tanto que sufrir,
y naides me ha de seguir
cuando yo remuento el vuelo.
17
Yo no tengo en el amor
quien me venga con querellas.
Como esas aves tan bellas,
que saltan de rama en rama,
yo hago en el trébol mi cama
y me cubren las estrellas.
18
Y sepan cuantos escuchan
de mis penas el relato,
que nunca peleo ni mato
sino por necesidá
y que a tanta alversidá
sólo me arrojó el mal trato.
19
Y atiendan la relación
que hace un gaucho perseguido,
que padre y marido ha sido
empeñoso y diligente,
y sin embargo la gente
lo tiene por un bandido.
Espero que tenham gostado da leitura. Muito obrigado pela atenção.
Martin Fierro em contraste com Morte e Vida Severina, a Pampa e a Sesmaria, dos discursos análogos
não pretendo teorizar muito sobre isto de comparar os dois textos, foi dificil pegar um trecho representativo de cada obra, já que as analises que podem se fazer são infinitas. Decidi fazer um recorte, não sei se bem feito, da introdução destes dois textos, a apresentação de Martin Fierro e de Severino, chamando a atenção de vocês para conceitos que além das fronteiras são comuns aos seres humanos, o amor é algo compartilhado por todos, o sofrimento, a imensidão da terra: a Pampa (terra sem árvores, em linguagem indígena Pampa) e o Sertão Nordestino.
Martín Fierro, obra de José Hernández, é um poema em sextilha que as vezes usa redondilha, composta de dois livros: o primeiro -Martín Fierro- foi escrito em 1872 e o segundo -La Vuelta de Martín Fierro- dado o sucesso de vendas do primeiro, en 1879. Relata a vida de um gaucho (não gaúcho) que inicialmente era bucólico e trabalhador, para prestar serviço militar obrigatório (leva forzada)foi para a fronteira para defendé-la dos indios.
Aí as condições de vida eram muito duras, pois os índios atacavam as populações em forma de "malón", roubavam, matavam e levavam cativas às mulheres. Alí os soldados ganhavam pouco dinheiro, sofriam os abusos dos chefes militares, que obrigavam eles a trabalhar nas terras e para poder comer saiam a caçar avestruzes (ñandúes ou "ñanduzes") e vendiam as penas.
Martín Fierro deserta do exército e quando volta para sua casa seu rancho estava destruido e sua mulher e filhos dispersos, pelo qual ele vira um "gaucho matrero" (gaucho violento). Borges tomará estas figuras da literatura gauchesca posteriormente.
Martín Fierro se junta a um outro gaucho, chamado Cruz, depois de uma briga com a polícia por causa de ele ter matado um homem numa "pulpería" (lugar onde se tomava alcool e paravam as carruagens para se abastecer) e começam várias aventuras. Cruz tinha perdido seu filho e sua mulher tinha lhe traido com o chefe de uma milicia. Passamos ao livro seguinte.
Já na Vuelta de Martín Fierro, depois de muitas andanças nas "tolderías" (lugar onde moravam os indios) morre Cruz, Martín Fierro fica sozinho e triste mas encontra seus filhos, que narram ter estado com um tutor desonesto e aproveitador, o Viejo Vizcacha, quem costumava dar conselhos oportunistas. Também encontra com o filho de Cruz, Picardía, quem conta seus causos.
No final, ele encontra também o irmão do homem que matou e canta com ele também uma "payada" (forma como se chama a este tipo de poema que se canta a dois violões como se eles estivessem em duelo) e reflexionam, em um brilhante contrapunto em que se misturam poesia e filosofía, sobre o céu, a terra, o mar, o amor, a lei, a unidade, a quantidade, o tempo. Martin Fierro se despede dando sabios conselhos aos seus filhos e ao de Cruz: que sejam honradois, unidos, que trabalhem e que não percam o tempo. Admitindo que ele mesmo não foi um bom exemplo, encoraja eles a que
El hombre no mate al hombre
Ni pelee por fantasía.
Tiene en la desgracia mía
Un espejo en que mirarse.
Na próxima postagem, para este texto não ficar longo e pesado de ler, coloco a apresentação de Severino e de Martín Fierro em contraste. Obrigado pela atenção.
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Que o Deus venha - Clarice Lispector
"Precisando mais do que a força humana. Sou forte mas também destrutiva. O Deus tem que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor. Às vezes me arranha como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha. Venha antes que seja tarde demais. Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei - assim como se come e se vive o gosto da comida. Minha voz cai no abismo de teu silêncio. Tu me lês em silêncio. Mas nesse ilimitado campo mudo desdobro as asas, livre para viver. então aceito o pior e entro no âmago da morte e para isto estou viva. O âmago sensível. E vibra-me esse it."
(In: LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Artenova, 1973)
Que o Deus Venha
Composição: Cazuza/ Roberto Frejat/ Clarice Lispector
Sou inquieto, áspero
E desesperançado
Embora amor dentro de mim eu tenha
Só que eu não sei usar amor
Às vezes arranha
Feito farpa
Se tanto amor dentro de mim
Eu tenho, mas no entanto
Continuo inquieto
É que eu preciso que o Deus venha
Antes que seja tarde demais
Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É o inesperado
Mas eu sei
Que vou ter paz antes da morte
Que vou experimentar um dia
O delicado da vida
Vou aprender
Como se come e vive
O gosto da comida
segunda-feira, 4 de abril de 2011
"Muito romântico" por Caetano Veloso
A Composição Passional de Caetano Veloso na Canção Muito Romântico
Gravada em 1978 no disco Muito
Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica
Levar por um papo que já não deu, não deu
Acho que nada restou para guardar ou lembrar
Do muito ou pouco que houve entre você e eu
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa eu não douro pílula
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico
Nesse tópico será analisada a poesia, verso por verso, sempre acompanhada do desenvolvimento melódico como reforço de intenção do compositor. A melodia, criada em forma de sentença, é composta por três notas descendentes com duração de tercinas de colcheia, durante quase toda a canção. Além disso o intérprete usa o legatto como recurso de expressão. Somadas, essas características remetem a conclusão de que a poesia é sustentada por uma continuidade melódica.
Minha palavra cantada pode espantar – e ao seus ouvidos parecer exótica. Aqui o compositor assume sua revolta introduzida no verso anterior, demonstrando ciência de sua brutalidade e alteração, como dizendo “eu sei que posso te assustar, e isso vai soar estranho”. A melodia é ainda idêntica ao verso anterior.
Mas acontece que eu não posso me deixar – Levar por um papo que já não deu, não deu. O autor afirma que não pode se abalar por uma conversa muito mal assimilada, de difícil aceitação, cujo conteúdo não é revelado. A melodia ressalta as palavras não deu, não deu, prolongando-as e atingindo o ápice do âmbito melódico, via tonemas ascendentes, propondo a prorrogação da tensão emotiva. Exemplo de comunhão perfeita entre texto e melodia.
Acho que nada restou para guardar ou lembrar – Do muito ou pouco que houve entre você e eu. Com esse verso a relação que unia o protagonista ao destinatário da canção (provavelmente uma mulher, com certeza uma pessoa que foi muito querida, em algum tempo) é praticamente anulada e desmerecida. Na gravação de Caetano (no disco Muito) os pronomes você e eu são repetidos uma vez, sublinhando o que antes fora uma relação amorosa. Esse verso também finaliza o primeiro chorus da música.
Canto somente o que pede para se cantar Quem pede aqui é possivelmente o coração de seu compositor, seu eu-lírico, sua alma de poeta. Converge com o verso anterior no sentido da necessidade de expressão e da busca pela verdade, como um cientista solucionando desafios e buscando assim aquietar a alma.
Sou o que soa eu não douro pílula Reforça a idéia de imposição, vigor e sinceridade do orador, que não tem meias palavras, é conciso e sem rodeios, doa a quem doer.
Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior – Com todo mundo podendo brilhar, num cântico Aqui um dos versos chave para a interpretação do protagonista; a idealização de comunhão, sem dor, só a felicidade. Mas para isso é necessário externar todo o sentimento, desabafar e livrar-se desse estado de ânimo. É a prova de que a melancolia não é um objetivo, uma certeza, mas uma transição e que o fato de ainda não ter transcendido atordoa, aflige.
Canto somente o que não pode mais se calar Esse verso escancara a tendência ao desabafo, o extravasar de um sentimento que precisa ser compartilhado em busca de conforto e compaixão.
Noutras palavras sou muito romântico O último verso da música explica o estado de espírito do protagonista, justifica suas colocações evidenciando sua passionalidade, sua herança latina, que tende ao sofrimento e a exacerbação dos assuntos passionais.
As nuances entre continuidade e segmentação da melodia são consideradas tensões cruciais na descrição da gestualidade oral contida em uma canção. Nessa canção, ao investir na continuidade melódica, (como visto no tópico anterior) no prolongamento das vogais, o autor está fundindo todo o percurso da canção com o ser e com os estados da paixão. Esse comportamento melódico será classificado como passionalização.
Conclusão: Canção de Amor?
O autor não pronuncia em nenhum momento a palavra amor, nem nome de mulher e não diz explicitamente que está sofrendo. Apesar disso, a canção é passional; aproveita a linearidade linguística para reconstruir a experiência presenciada, relatada nessa canção de forma direta (aqui e agora, não num tempo passado). A intensidade emotiva é dosada com inclinações da linha melódica. O ouvinte capta a experiência vivida e se espelha nos acontecimentos, via melodia, sem a necessidade de clichês e lugares-comum. Assim se instaura uma espécie de acordo tácito entre a fonte (compositor) e o receptor (ouvinte).
Caetano raramente demonstra em sua poesia a tensão passional; apenas deixa transparecer um núcleo tensivo por trás dos ícones, que são sugestivos e imprevisíveis. Na análise passo-a-passo da letra esse núcleo tensivo fica evidente desde o primeiro verso, com negativas e incisão.
domingo, 3 de abril de 2011
"E agora vem dizer, morena?"
sexta-feira, 1 de abril de 2011
Aula de 08/04
PERRONE, Charles A. Letras e letras da MPB. Rio de Janeiro: Booklink, 2008. - Capítulos 1 e 2.
2)
Seminário de leitura: Adrieli, Carol e Juliana
"A abordagem do amor desde as cantigas de amigo às canções de Cartola"
3)
Audição programada: "Que o Deus venha", música do Cazuza com texto da Clarice Lispector (Pâmela)