quinta-feira, 31 de março de 2011

Poesia na canção - declínio da arte ascensão da cultura? 01/04/2011

1)
Debate com a turma, a partir da leitura de "A democratização no Brasil (1979-1981) cultura vesus arte", In: SANTIAGO, Silviano. O cosmopolitismo do pobre - crítica literária e crítica cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2004, pp. 144-5
- Sugestão complementar de leitura:
10 lições sobre os estudos culturais - Maria Elisa Cevasco

2)
Seminário de Leitura: Pamela
"Romances de cordel de Ferreira Gullar"

3)
- Audição do dia: "O sapo"/ "A rã" - João Donato e Caetano Veloso (Pedro)

4)
Sugestão de atividade: ler/ouvir comparativamente (para pensar estratégias poéticas e musicais, através da metáfora "dourar pílula", sugerida no poema "O sertanejo falando"): "Muito romântico", de Caetano Veloso, nas gravações de Veloso e de Roberto Carlos.

5)
Leitura para debate na próxima aula:
PERRONE, Charles A. Letras e letras da MPB. Rio de Janeiro: Booklink, 2008. - Capítulos 1 e 2.

"Para ouvir uma canção: 'O Rio de Janeiro em letra e música'"

A última conferência que pude acompanhar foi a de Marcelo Moutinho que chegou se apresentando da seguinte maneira: “ao lado de outros pesquisadores de canção sou um intruso pelo fato de meu interesse ser literatura, sobretudo, a partir de Ítalo Calvino em ‘As cidades invisíveis’ e ‘Seis propostas para o próximo milênio’ buscando promover uma relação entre arte e a cidade do Rio de Janeiro que até os anos 70 demonstrara uma marca de apagamento local: ‘uma cidade com varias cidades dentro’”, segundo Marcos Rebelo.
No momento seguinte Moutinho afirmara que a letra da canção é a literatura brasileira que realmente aconteceu. E encaminhou sua abordagem sobre que Rio de Janeiro seria esse que se descortinara dessas canções desde o século passado mesmo antes de serem cantadas. Entre outras temáticas aponta que a canção passa a falar da favela, da violência urbana em uma mistura fascinante e de estranhamento ao mesmo tempo. Dois olhares são possíveis para essas canções até os anos 80 – o idílico e o das mazelas. A partir dos anos 80 há saudosismo que se liga à brutalização da cidade.
Para Moutinho, do samba ao funk carioca a canção possibilitou a leitura da cidade em suas constantes transformações e, nada melhor do que uma listagem dessas canções, para que possamos pilotar nossa percepção desses espaços possibilitados por elas.
 - Trilha sonora da cidade proposta por Moutinho:
- Olhar idílico:
- “Cidade Maravilhosa”(André Filho - 1935)
- “Fala meu louro”(Sinhô - 1920)
- “A voz do morro”(Zé Kétti - 1950)
- “Favela” (Roberto Martins e Valdemar Silva – 1936)
- “Ave Maria no morro” (Herivelto Martins – 1942)
- “Barracão de zinco”(Luis Antonio e Oldemar Magalhães -1953)
- “Praça Onze” (Herivelto Martins e Grande Otelo – 1941)
- “A Lapa” (Herivelto Martins e Benedito Lacerda – 1949)
- “História da Lapa” ( Wilson Batista -1957)
- “Copacabana” (Braguinha e Alberto Ribeiro – 1947)
- “Sábado em Copacabana” (Dorival Caymmi e Carlos Guinle)
- “Lua e Estrela” (Vinícius Cantuária)
- “Hotel Marina” (Antônio Cícero e Marina)
- “Meu lugar” ( Arlindo Cruz e Mauro Diniz)
- “Jacarepaguá” (Romeu Gentil, Marino Pinto e Paquito)
- “Eu quero é rosetar” (Haroldo Lobo)
- “Marcha do Caracol” (Peter Pan e Afonso Texeira)
- “Cordão dos puxa-sacos” (Roberto Martins e Frazão – 1946)
- “Vagalume” (Vitor Simon e Fernando Martins – 1954)
- “Cidade lagoa” ( Cícero Nunes e Sebastião Fonseca – 1959)
- “Cidade Mulher” (Noel Rosa)
- “Valsa de uma cidade” ( Antonio Maria e Ismael Neto)
- “Do Leme ao Pontal” ( Tim Maia)
- “Carioca” (Chico Buarque)
- “Samba do Avião” (Tom Jobim)
- “Garota de Ipanema” (Tom e Vinícius)
- “Samba de Verão” (Marcus e Paulo Sérgio Valle)

- O olhar da brutalização a partir dos anos 80:
-  “Estação derradeira” (Chico Buarque)
- “Rio 40 graus,purgatório da beleza e do caos” (Fausto Fawcet e Fernanda Abreu)
- “Saudades da Guanabara” (Moacir Luz, Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc)
- “O dia em que o morro descer e não for ao carnaval” (Paulo César Pinheiro e Wilson das Neves)
- “Nomes de favela” (Paulo César Pinheiro – 2004)
- “Aquele abraço” (Gilberto Gil)
- “Rock n roll em Copacabana” (Miguel Gustavo)
- “Volta ao mundo” (Blitz)
- “Revanche” (Lobão)
- “Alagados” (Herbert Vianna)
- “Brixton, Bronx ou baixada” (Marcelo Yuca, Nelson Meirelles, Xandão / Marcelo Falcão / Marcelo Lobato)
- “175 nada de especial” (Gabriel o Pensador)
- “Traficando informação” (MVBill)
- “Melô do taca tomate” apropriação de “You talk to much”
- “Endereço dos bailes” (MCs Junior e Leonardo)
- “Nosso sonho” (Claudinho e Bochecha)
- “Eu só quero é ser feliz” (Julinho Rasta e Kátia)
- “Rap das armas” (MCs Junior e Leonardo)
- “Só dói quando eu Rio” ( Aldir Blanc e Moacir Luz)

Perguntas feitas pela platéia:
- Falta de canções “Rio antigo de Chico Anísio”; “Pavuna”;
- Você tem visto referencias nas canções sobre esse novo momento que o Rio está passando?
Ainda não vi isso presente mas ainda está muito recente.
- Os subgêneros do samba: bossa nova é um e pagode é uma corruptela.
- Como vê a distinção entre literatura e música?Letra de música é a literatura que deu certo e vejo isso em relação a veiculação. Uma colabora com a outra... A música se dispersa muito mais...Claro que não é literatura nos moldes clássico.
É isso aí... Minha estada nas conferências chegou ao fim... Até as próximas edições do evento... E parto com uma provocação... Literatura nos moldes clássicos não seria aquela com L maiúsculo?

quarta-feira, 30 de março de 2011

"Para ouvir uma canção: 'Nomadismo e memória - algumas anotações sobre a canção 'Língua'"

A fala de ontem foi regida pelas colocações do professor Júlio Diniz. Optando por falar não exatamente do que trazia seu texto “Nomadismo e memória – algumas anotações sobre a canção ‘Língua’” publicado na coletânea de textos “Para ouvir uma canção”, o professor percorreu de Caetano Veloso, Chico Buarque, Nina Simone a Maria Gadú cantando “Ne me quit pas” e, eu acrescentaria, a nível de comentário, Edith Piaf para percebermos a distinção das três interpretações. Apesar de Maria Gadu ter um timbre de voz mais grave como o de Nina Simone, do que a agudez da voz de Piaf imprime em sua interpretação, em certa medida, o esvaziamento do ser sensível da canção em detrimento da espetacularização do romantismo-brega mediado pelo showbusiness. 
 Diniz não se embrenhou por seu artigo mas suas explanações trouxeram nomadismos ao espaço da conferência e de modo suplementar algumas posições foram formando-se no corpo de sua fala. Tomemos algumas delas como possibilidade de diálogo e pensamento:
 - “O grande barato da música brasileira é a canção em seu código musical e poético”.
- “Vinícius de Moraes e não apenas ele deveria ser visto como divisor de águas na canção brasileira. Vinícius trouxe outro lugar para a canção entre tantos outros”.
- “Compositor dos anos 20, 30, 40 traz um imaginário prosaico e do universo literário do século XIX.”
- “Canção não é mais só música e letra. É corpo, performance e uma série de outras coisas.”
- “Comparar  Elizeth Cardoso e João Gilberto, Peninha e Caetano leva-nos a perceber sofisticação e transformação em relação à composição stricto senso.”
- “A voz como assinatura é coautora da canção e possibilita pensar uma noção ampliada de parceria”.
- “Canção se norteia por dois momentos:
Chico Buarque com seu viés ideológico do engajamento atrelado à tradição da esquerda latinoamericana num período ainda de ditadura e depois dela, Guardando um procedimento conservador em relação à tradição. Assim como Victor Rara morto pelo governo Pinochet. Outro momento é Caetano Veloso com  Cucurrucucu Paloma”, guaranias e traz consigo a tradição hiperbólica e lírica assinando com a voz outra estampa – a canção como complexo multidiscurssivo.”
- “Acho impossível a canção terminar, assim como o livro e o cinema.”
- “Essa ideia de canção migra e não há emissão de valor”.
- “A tradição da canção brasileira não pode ser vista como engessamento da ideia de canção, ou seja, lugar do imaginário brasileiro, trilha sonora de nossas vidas.”
- “A música brasileira é nossa educação sentimental. Nossa formação.”
- “O Rio de Janeiro é multifacetado assim como a música. Variações de uma riqueza musical que nós temos”.
- “A ideia de memória é fundamental pra compreender a música popular brasileira que não pode ser vista como essência ou substância como o ato de guardar um chapéu do fulano de tal...”
- “ Memória é ativação, esquecimento senão não há avanço”.
- “ A Tropicália partiu pra cima da Bossa Nova: banquinho é o caralho”.
- “O novo nasce do cadáver do velho”.
- “Jorge Ben a partir dos anos 60 faz um samba tão revolucionário quanto João Gilberto na Bossa Nova, guardadas suas proporções.”
- “A memória tem que ter um lugar para ser preservado e o principal dela é sua ativação. Andreas Huyssen em “Seduzidos pela memória” trabalha as construções e edificações do holocausto como monumentalização da memória,fetichização, espetacularização da cultura, marketing...”
- Com 1 milhão gastos pelo ex-prefeito César Maia para homenagear  Tom na praia de Copacabana com Caetano, Gil, Gal, Paulinho da Viola, Milton criaríamos núcleos de estudos nas escolas para ativar a memória da música brasileira. A questão é que falamos de dinheiro público. Senão depois fica tudo pegando fogo como UFRJ ontem. Nós temos que cuidar da infraestrutura além de movimentar a memória também. Não é só colocar em um espaço que está preservada”.
- “O carioca sabe muito bem preservar sua memória com ações”.
Passado esse momento de provocações Diniz colocou duas versões da canção “Paratodos” de Chico Buarque. Uma das versões está no DVD “Chico e as cidades” e a outra no DVD “Meu caro amigo” que conta com a participação de  Gal Costa, Djavan, Dorival Caymmi - “buda nagô” como diria Gil – Tom Jobim e Daniela Mercury. Na primeira versão Júlio Diniz pontuou Chico Buarque como feitor de sua própria trajetória. E na segunda versão enfatizou o clima emocional e desafinação intensa. Além disso, situou “Paratodos” como homenagem à memória da música brasileira de forma curiosa. Primeiro Chico homenageia familiares - sua genealogia ligada aos antepassados. Depois amplia sua noção de família para os nomes que ele cita na letra da canção. “Evoè jovens à vista” faz um levantamento dos mortos da tradição da canção. A tradição do Chico é em cima de uma genealogia que não prima por uma origem. A identidade vai sendo traçada pela música popular brasileira.
No momento seguinte e anterior às perguntas Júlio Diniz encaminhou sua fala para o fim passando para a canção “Língua” de Caetano Veloso, onde há identidade poética da palavra falada e não na palavra cantada apesar de ser por ela. Na tensão Veloso e Buarque Diniz disse ser possível falar de memória por uma identidade nacional, viés identitário do “sou um artista brasileiro” como propõe Chico Buarque. Ou, via Caetano, “sejamos imperialistas”, “minha pátria é minha língua” - diferente de Fernando Pessoa para o qual a pátria é a língua portuguesa. Nesse sentido, constata uma questão concreta e fonética de nossa canção que está nas vogais e cita a canção “Meu Amanhã” de Lenine como exemplo desse estado singular dela, em que o lugar da língua é o da invenção dessa arte poliglota onde há memória de vozes em polifonia e não em identidade nacional - a canção que traz a memória ; autocanção. Desse modo, afirma Caetano como sendo não “Paratodos”, mas por todos e abre espaço para as perguntas.
- Qual a diferença da canção para a música pop?
 “Em termos de indústria cultural tudo está na clave de discussão do pop ou folclore. O mercado é perverso e como lidar com ele? A indústria fonográfica está falida pelos preços e novos recursos tecnológicos. O conceito de pop substitui em tensão a ideia do adjetivo popular. O grande desafio do nosso tempo é como lidar com novos conceitos. Talvez as estratégias de combate dentro da rede, em rede, possam ser um caminho - sozinho ninguém chega a lugar nenhum. É um problema falar do pop no sentido do nacional popular hoje. Pop tem mais a ver com o volume de aceitação e mercado. E isso me leva a dizer que estou fora de responder sobre erudito e popular ou se letra de música é poesia.”
- É o Brasil a grande força das vogais?
“As vogais trazem o ritmo. A oralidade é um lugar fundamental para entender o Brasil enquanto povo maior multifacetado chamado Brasil, onde os povos inventam corpos, balanços e jeitos de permanência. Para isso seria preciso entender a diferença do regime modal, que não tem nada a ver com música dos primitivos, e o tonal”.
- Você disse que não precisamos nos preocupar em tombar o samba, fale um pouco sobre as modificações dele?
“O samba que acelera vira marcha e o que diminui vira seresta. O samba enredo é a trilha sonora de um espetáculo performático. Essa tradição continua de outras formas e de outras maneiras que não no morro ou indústria cultural do turismo na Lapa”.
- Como pensar no ritmo trazido com vogais na canção popular brasileira, senão, em certa medida, pela memória de uma ancestralidade africana do dançar, batucar e cantar?
“Não é só a África que dança, batuca e canta. A África não é apenas ela o lugar de um genoma da ancestralidade. Não há mais a moral do escravo - a tese de Mário de Andrade da dinamogenia e que Tinhorão continua. Para pensar essa questão sugiro ler ‘Samba o dono do corpo’; ‘Mistério do Samba’ e ‘Feitiço Recente.’”
- Apontamentos finais sobre o novo Museu da Imagem e do Som:
“Acesso à informação precisa ser democratizado com a digitalização de tudo. Um dos maiores problemas que mata a memória cultural do nosso país é a ganância, como exemplo há a família Gilberto, e falta de interesse público. A gente faz algumas coisas para artista e não para o público”.

                   No mais, sem mais e até mais ver com os escritos sobre "O Rio de Janeiro em letra e música" por Marcelo Moutinho - última fala que assistirei no "Para ouvir uma canção: ciclo de conferências sobre a canção popular brasileira".

sexta-feira, 25 de março de 2011

O Sertanejo Falando - João Cabral de Mello Neto

1.
A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.

2.
Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-la na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.

(Em A educação pela pedra, 1962-1965)


quinta-feira, 24 de março de 2011

Medievo-Nordeste - 25/03/2011

1)
Debate a partir da leitura, pela turma, de - "A(s) transgressão(ões) do primeiro trovador". In: GUMBRECHT, H. U. A modernização dos sentidos. São Paulo: Ed. 34, 1998. pp. 35 - 66

- Leitura de poemas de Guilherme de Aquitânia

2) Seminário de leitura: Kasonga
- A invenção do amor no século XII

3)
A tradição medieval ibérica no nordeste brasileiro

- Romanceiro - Cf. verbete no e-dicionario de Termos Literários

- Audição de "Juliana e D. Jorge", Anônimo. CD Medievo-Nordeste - Cantigas e romances. Musica Antiga da UFF, 2004, faixa 6.

- Audição de "Cantiga do estradar", Elomar. CD Cantoria


4) Sugestão de atividades:

- Estudar as referências formais do poema "Morte e vida severina", de João Cabral de Melo Neto

- Ler/ouvir "Caboclo roceiro", de Patativa do Assaré

- Ler os Romances de Cordel, de Ferreira Gullar.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Tradução do trecho do livro Alta Fidelidade.

As pessoas se preocupam com crianças brincando com pistolas, e com adolescentes assistindo a vídeos violentos; temos medo de que algum tipo de cultura da violência tome posse deles. Ninguém se preocupa com os rapazes escutando milhares, literalmente milhares, de músicas sobre corações partidos, rejeição, dor, miséria e perda. As pessoas infelizes que conheço, romanticamente falando, são aquelas que gostam demais de música pop; e não sei se a música pop tem causado essa infelicidade, porém eu sei que eles têm ouvido músicas tristes por muito mais tempo do que eles têm vivido as suas vidas infelizes.
Nick Hornby: Alta Fidelidade.

"Para ouvir uma canção: 'A canção polifônica' "

Os comentários de hoje são na clave de Santuza Cambraia Naves. Seu diapasão afinou a conferência no tom da polifonia. Ela partiu de Bakhtin, para o qual o romance de Dostoiévski inaugura a presença de vozes múltiplas. Santuza apontou como seu pensamento pode auxiliar a pensar a estrutura múltipla de vozes das canções que vão desde "Pelo Telefone" de Donga (1916), "Conversa de Botequim" de Noel Rosa (1935),"História de Pescadores" de Dorival Caymmi(1965),"O Rei do Gatilho" interpretada por Moreira da Silva (1962), "Carnaval do Geraldo" do Grupo Rumo (1981) até "Você não soube me amar" da Blitz. Com essas canções, Naves percorreu a transfiguração de características épicas e sentimentais para um processo de estruturação mais fragmentado da música popular coincidente com o momento de abertura política no país. Da mesma maneira que concordava com o recorte do canceioneiro popular proposto por Naves, me perguntava, mesmo correndo o risco de tocar em um lugar "fetichizado", qual o motivo dela não ter mencionado a Tropicália como ação iniciática dessa possibilidade entrecortada que identificara na canção dos anos 80... Ao mesmo tempo que eu puxava em minhas memórias conexões com vozes e memórias também outras por mim experienciadas, me instigava pelas memórias que as canções abordadas por Naves suscitavam no público presente ao escutá-las. As canções provoacam relações ou elas eram possibilitadas por que as canções existiam? Longe de respostas exatas, parecia imprescindível, enquanto Santuza lia e exemplificava seu texto com a escuta dessas canções, que eu me atentasse à platéia. Eu não segurava minha ansiedade para chegar o momento das perguntas. Afinal, nelas poderia identificar traços da recepção como o lugar da exisência do múltiplo e de vozes diversas. A sensatez da leitura de Santuza suscitava o desejo de ler seu texto - "A canção polifônica" - para além das vozes por ela apontadas como sendo trocas de turno de enunciação ou pessoas do discurso nas análises musicais que propôs. Instigava-me a ideia de pensar essas vozes como pontos de contato que as canções apresentavam, da temática ao ritmo, tecendo uma textura que intercambiava-se com a melodia e a harmonia enquanto traços distintivos, onde o público presente também paracia fazer-se voz e espaço substancialmente polifônico nelas - muito embora essa profusão de vozes não estivesse acontecendo concomitantemente, mas de modo suplementar. Chegado o momento das perguntas, a escrita falada de Santuza parecia ter mediado um estado de percepção musical na platéia que se via sedenta pelo diálogo com a pesquisadora. E foi na tensão entre o texto de Santuza e a platéia que pude me apropriar das colocações abaixo enquanto desencadeadoras de provocações críticas fragmentadas:
* " Samba é aquilo que a gente reconhece como samba "?
* Como pensar em memória da canção na medida em que um dos ouvintes se manifestou como diretor da " Museu da Imagem e do som do Rio de Janeiro "?
* Cabe ao arranjo ser só é maravilhoso, como evidenciara Santuza em alguma das respostas?
* É pertinente pensar em " evolução na canção"?
* Em uma das respostas Santuza disse que " as coisas não existem em si ". Em que medida as canções são construidas e formadoras?
* " A música é a psicanálise mais barata.Sucídio da cultura nacional e tome Big Brother". E ela teria que se prestar a isso?
* Para conhecer, sugestões vindas platéia: " Pensando em Ti " (Herivelto Martins & David Nasser) ; Haroldo Costa.
Vamos conversando que se o trânsito Gávea - Largo da Carioca ajudar a chegar em tempo na Caixa Cultural, amanhã tem mais comentário da conferência de Gaspar Paz, " Interpretação e canção popular".

terça-feira, 22 de março de 2011

"Para ouvir uma canção: ' O sexo na MPB - A evolução do comportamento afetivo e sexual do brasileiro através dos tempos' "

Exponho o primeiro dos comentários que farei em relação ao ciclo de conferências "Para ouvir uma canção" que começou hoje no Rio de Janeiro, na Caixa Cultural. A simpatia da fala de hoje trouxe algumas provocações que gostaria de compartilhar com vocês. O tema - "O sexo na MPB - A evolução do comportamento afetivo e sexual do brasileiro através dos tempos" - esteve na responsabilidade de Rodrigo Faour. Ao levantar alguns aspectos comportamentais através da MPB, lugares de produção de sentido questináveis evidenciavam-se. As colocações foram baseadas no livro de autoria do conferencista - "História Sexual da MPB" - e interessadas nos seguintes pontos:

1) A tristeza na MPB como sendo algo que se dá até os anos 60.
2) O machismo ancestral na MPB.
3) Década de 70 como sua grande década transformadora: boom de sexualidade e homossexualidade. As cantoras ficam mais sensuais e as canções mais transgressoras.
4) Negra e mulata sempre tendo sido mais erotizadas.
5) Erotismo mais rasgado desde Domingos Caldas Barbosa. Aproximação do maxixe com o funk carioca.

Na medida em que pontuava sua abordagem da MPB, o pesquisador musical e jornalista, como é referendado, afirmava questões como:

a) "Música é catarse".
b) "A música é apenas um reflexo e veículo da sociedade".
c) "Odair José e Wando nunca foram machistas".
d) Ao ser questionado sobre o por quê de poucas letras falarem de homem, respondera da seguinte maneira: "Na MPB existem poucas compositoras heterossexuais - eu citaria umas quatro".
e) "Música é diversão e, muitas vezes,intelectualizar a nova loira do Tchan, não dá".
f) "Música, dos anos 80 em diante, é um detalhe... O que vale é o conceito e não só a música em si".
g) Ao exemplificar os altos e baixos da MPB, artistas que aparecem na mídia e depois somem: " O Brasil é um país que não preserva a memória".
f) Ao ser questionado sobre o fato de pouco abordar a música feita em Minas Gerais: "Isso é uma outra coisa... Que fala da natureza, de política..."

Diante dessas colocações sugiro que elas sirvam de dispositovos para nossas formulações críticas. Se me permitem, arriscaria algumas...

* Não questionando a legitimidade dos pontos levantados na presente conferência penso em que medida seria possível considerarmos determinados aspectos da MPB como sendo ou isso ou aquilo? Como exemplo:
- O fato de Chico Buarque compor "Bárbara" poder ser visto como uma perspectiva mais digna para a homossexualidade a partir dos anos 70;
- O fato de haver poucas composições que tratam do homem como objeto de desejo se dever à existência de uma minoria de compositoras heterossexuais...
A MPB não deveria ser vista para além de questões identitárias de gênero e afins? Ou Chico Buarque precisou se transformar em uma mulher lésbica para compor "Bárbara"?

* Música é catarse?

* A música é apenas reflexo e veículo da sociedade?

* Música é diversão e, muitas vezes, intelectualizar "a nova loira do Tchan", não dá mesmo?

* Que outra coisa seria de fato a música feita em Minas Gerais, sobretudo, a partir dos anos 70, que não só paisagem e militância?

* Como artticular indústria cultural, música como conceito e mercado com o fato de o Brasil não ser um país que preserva a memória, no caso, da MPB?

Não sei se espero respostas exatas. Mais do que isso, que a gente possa criar pontos de contato com o cena atual de pesquisa em música e assumir posições...

Até a próxima conferência, "A canção polifônica" (Santuza Cambraia Naves).

sábado, 19 de março de 2011

High Fidelity

A pedidos do Alexandre, a tradução do trecho que ele postou de High Fidelity, do Nick Hornby:

As pessoas se preocupam com crianças brincando com armas e adolescentes vendo filmes violentos; nos assustamos com a ideia de que alguma espécie de cultura de violência irá tomá-los. Ninguém se preocupa com as crianças ouvindo milhares, literalmente milhares, de músicas sobre corações partidos e rejeição e dor e miséria e perda. As pessoas mais infelizes, romanticamente falando, que eu conheço são aquelas que mais gostam de música pop; e eu não sei se foi a música pop que causou essa infelicidade, mas eu sei que eles escutam músicas tristes há mais tempo do que vivem infelizes.

E aproveito pra compartilhar mais um pouco do raciocínio que é desenvolvido no início do livro (e que é genial):

Some of my favorite songs: 'Only Love Can Break Your Heart' by Neil Young; 'Last Night I Dreamed That Somebody Loved Me' by the Smiths; 'Call Me' by Aretha Franklin; 'I Don't Want to Talk About It' by anybody. And then there's 'Love Hurts' and 'When Love Breaks Down' and 'How Can You Mend a Broken Heart' and 'The Speed of the Sound of Loneliness' and 'She's Gone' and 'I Just Don't Know What to Do with Myself 'and . . . some of these songs I have listened to around once a week, on average (three hundred times in the first month, every now and again thereafter), since I was sixteen or nineteen or twenty-one. How can that not leave you bruised somewhere? How can that not turn you into the sort of person liable to break into little bits when your first love goes all wrong? What came first, the music or the misery? Did I listen to music because I was miserable? Or was I miserable because I listened to music? Do all those records turn you into a melancholy person?

Algumas de minhas músicas favoritas: "Only Love Can Break Your Heart", do Neil Young; "Last Night I Dreamed That Somebody Loved Me", dos Smiths; "Call Me", da Aretha Franklin; "I Don't Want to Talk About It", cantada por qualquer um. E aí tem "Love Hurts" e "When Love Breaks Down" e "How Can You Mend a Broken Heart" e "The Speed of the Sound of Loneliness" e "She's Gone" e "I Just Don't Know What to Do with Myself " e... algumas dessas músicas eu ouço mais ou menos uma vez por semana, em média (trezentas vezes no primeiro mês, depois uma vez e outra), desde que eu tinha dezesseis ou dezenove ou vinte e um anos. Como pode isso não te deixar machucado em algum lugar? Como pode isso não te transformar no tipo de pessoa sujeita a quebrar em pequenos pedacinhos quando seu primeiro amor dá errado? O que veio primeiro, a música ou a infelicidade? Eu escutava música porque era infeliz? Ou eu era infeliz porque escutava música? Todos esses discos te transformam em uma pessoa melancólica?

Recomendo demais o filme. O livro nunca li, mas quem tiver interesse e tranquilidade pra ler em inglês pode baixar aqui.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Pelo saber do gesto

Galerinha,
Resolvi fazer essa postagem em homenagem ao que nos traz na oficina "Canção e Poesia Brasileiras"... Divirtam-se! Nossa poligamia é saudável!(risos)



Duas namoradas
(Itamar Assumpção | Alice Ruiz)

A música e a poesia
Que ocupam minhas noites
Que acabam com meus dias

Uma fala sem parar
A outra nunca desliga
Não consigo separar
Duvido d o dó que alguém consiga

Cantar é saber juntar
Melodia, ritmo e harmonia
Se eu tivesse que optar
Não sei qual eu escolheria

Tem vez que o caso é comigo
Tem vez que sou só sentinela
Xifópagas, caso antigo,
Tem vez que é só entre elas

Nenhum instante se deixam
Grudadas pelas costelas
Nenhum segundo me largam
Também eu não largo delas

Inclinações Musicais

Roteiro para aula de apresentação

Proposta - Aproximações através da lírica amorosa

1)
People worry about kids playing with guns, and teenagers watching violent videos; we are scared that some sort of culture of violence will take them over. Nobody worries about kids listening to thousands, literally thousands, of songs about broken hearts and rejection and pain and misery and loss. The unhappiest people I know, romantically speaking, are the ones who like pop music the most; and I don't know whether pop music has caused this unhappiness, but I do know that they've been listening to the sad songs longer than they've been living the unhappy lives.
Nick Hornby: High Fidelity
(Só achei o trecho em eboks em inglês. Aguardo uma boa alma para traduzi-lo aqui.)


2) Assistir e debater:
Caetano no DVD Obra em progresso canta e comenta "Vingança" de Lupicínio Rodrigues. letra
- Ver trecho de Verdade tropical
- Recortes de Lupicínio feitos por Augusto de Campos, no Balanço da bossa(?)
- "Like a rolling stone", Bob Dylan. letra

3) Ouvir e debater:
"Inclinações musicais", de Geraldo Azevedo e Renato Rocha. letra
- Trecho do Wisnik sobre Roberto Carlos, comentado por Silviano Santiago em "A democratização no Brasil (1979-1981) cultura vesus arte", In: SANTIAGO, Silviano. O cosmopolitismo do pobre - crítica literária e crítica cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2004, pp. 144-5

4) Ouvir e comentar
"Belle Yolanz en ses chambres seoit"

5) Ler:
- "A(s) transgressão(ões) do primeiro trovador". In: GUMBRECHT, H. U. A modernização dos sentidos. São Paulo: Ed. 34, 1998. pp. 35 - 66
- "L'amour, cett'invention du XIIe. siecle" In: MARROU, Henri-Irénée. Les troubadours. Paris:Seuil, 1971, pp. 99-111.
- Poesia de Guilherme IX de Aquitânia. Tradução de Arnaldo Saraiva. Unicamp, 2010. link